quarta-feira, 30 de novembro de 2016

ainda é novembro, página de um eterno calendário...



"Uma lança caneta-tinteiro/ escreveu liberdade no céu..." O. Silveira, em Poema sobre Palmares.






OLIVEIRA DOS PALMARES

                                          para Oliveira Silveira (1941-2009)



plantou um chão para dançarmos livres
regou de versos nossos sonhos
com seu ingoma inaudível
incansável
fez um país inteiro cantar



(lande)

domingo, 29 de maio de 2016

AS TELAS VIVAS DE MARCOS COSTA


                        Para Sérgio Soarez e Nilo Cerqueira

“pela cor do pano/nota-se que sou africano” William, compositor.

“A arte existe para que a verdade não nos destrua”. Foi por uma das várias portas que esta frase de Nietzsche me abre, que eu entrei na exposição TELA VIVA do artista plástico Marcos Costa. Entrei pensando neste país de Estado racista e genocida, assaltado por um Golpe Branco (lato sensu), e onde 33 homens estupraram uma menina de 17 anos! E filmaram, e divulgaram em redes virtuais... Mas assim é a arte, serve ao contexto em que estamos, a arte é o que podemos quando a vemos, ou quando a concebemos. Tal como o ser humano reitera e renova seu poder destrutivo em relação à vida e ao planeta, entrei na TELA VIVA buscando o seu contrário. E encontrei.
De cara, a criatividade e generosidade de Marcos Costa em grafitar sobre corpos, expô-los em fotografias e, deste modo, criar “autorias” indissociáveis – autorias que se multiplicam incrivelmente no videodocumentário PERFORMANCE TELA VIVA. Usar corpos como paredes, muros flexíveis – o graffiti vem das ruas – foi pra mim uma grande sacada. Como novidade, me impactou quase como a peça A Casa dos Espectros, do diretor Ângelo Flávio, onde nós “entrávamos” na cabeça da personagem!
Achei que duas ou três telas da exposição ficaram com iluminação um pouco prejudicada, mas nada que impedisse o brilho da exposição.  Costumo imaginar o diálogo do curador e do artista com a luz. Como e onde os focos de luz natural ou artificial vão incidir sobre cada obra e tal. Deve ser bacana fazer isso, mesmo na falta de condições ideais para se realizar o trabalho. Afinal de contas, a grande arte é “se virar”. rs. E encantar, como é o caso na TELA VIVA. Imagens que me pareceram mais significativas foram privilegiadas em termo de luz pelos organizadores – o curador é o renomado artista plástico baiano Raimundo Santos Bida. Mas sigo imaginando esta exposição em outro espaço – seja a rua, ou uma galeria de paredes brancas.
Muito bom também é como Marcos Costa utiliza referências afro-religiosas. De um modo sutil, e ao mesmo tempo potente – potência não é igual à força – a TELA VIVA apresenta essências do nosso universo religioso, da nossa visão de mundo de origem africana, e da nossa condição contemporânea na Diáspora. A exposição nos sugere representações de divindades africanas sem dar nome de nenhum inkisi, sem que os/as modelos precisem portar ferramentas ou roupas sagradas, e sem gestos ou expressões estereotipadas para mostrar que força da natureza está ali representada. E olhem que esse cuidado, sensibilidade e criatividade na abordagem do sagrado é muito, muito mais magistral no vídeodocumentário. A meu ver, esta sutileza e potência no trato das referências afro-religiosas é algo raro nas diversas linguagens artísticas. Há exceções, obviamente - entre outras, o artista plástico Sergio Soarez, o compositor Tiganá, as poetas Urânia Munzanzu e Livia Natália. Ainda se copia muito mecanicamente (para as telas, para os palcos, para as páginas) símbolos do universo do candomblé, por exemplo – algo que até se justifica quando se trata de arte sacra, e mesmo assim, vejam-se as obras do próprio Bida, Ronaldo Martins, e Junior Pakapim.
Marcos Costa convoca o fotógrafo e as(os) modelos a transmitirem as diferentes emoções dos graffitis. E de maneira mais ou menos comoventes, conseguem. Tudo à flor da pele... Os barracos subindo pelas (en)costas de uma mulher; a fusão humano-natureza (que me fez lembrar um ensaio da fotógrafa Alile Dara na Floresta da Tijuca, Rio); a enigmática camaleoa tateando um novo mundo; o ser urbano em conflito; a pulsação festiva da favela em harmonia com o urbano, num suingue que salta da tela; a lacradora (rsrsrs) Negra Jho com sua presença de totem – e onde pele e pano se fundem - ; e as mais que poéticas imagens, que não me contenho em nomear de “iemanjuno” e “em paz com as rugas e as borboletas”. Magnífico! Poesia é subversão.
Enfim, é o mundo de Marcos Costa, sua TELA VIVA.
Lande M. M. Onawale
Poeta e escritor
P.S - Ah! O vídeo¿ Aquilo é uma obra prima para mim. Ainda não tenho condição de escrever sobre. Sigo aqui revendo-o... e revendo... Este vídeo é que está me escrevendo.


PERFORMANCE TELA VIVA