segunda-feira, 2 de junho de 2014


O BRANCO ANJO NEGRO 
                                   para a atriz Vera Lopes

Um texto dispensável, o Anjo Negro DE Nelson Rodrigues, no contexto das celebrações dos 10 anos da CAN – Compahia Teatral Abdias do Nascimento - e 100 anos de Abdias do Nascimento, através do imperdível e impecável Abriu de Leituras.  Um texto onde, supostamente, o autor denuncia o racismo, mas ele próprio vê e trata personagens negros como apenas uma cor: pretos (e pretas). Não somos homens ou mulheres, mas o preto 1, o preto 2, a preta 3... como também nos trata outros monstros (lato...não, não deixa pra lá) da literatura brasileira  - Fernando Sabino, Jorge Amado, Herbert Sales, Rubens Fonseca e por aí vai. A preta fez isso, aí veio a mulher, e fez aquilo. Não a branca, ou o branco veio, mas a Mulher, ou o Homem. Não sois homens, pretos é que sois.
Nelson Rodrigues... o anjo pornográfico... alcunha criada por ele mesmo, reunindo uma segunda ‘justa oposição’ entre substantivo e adjetivo... como é caprichosa a intelectualidade branca nacional.
O Núcleo Afrobrasileiro de Teatro de Alagoinhas, nosso NATA, foi lá e fez (bem) o que pôde em termos de movimentação, adaptação, luz, figurino, mas o texto em boa parte é um samba de branco (e de um nota só) – e a diretora Fernanda Júlia nos confessou a todos que esbarrou nas limitações da visão de um branco sobre nós, e sobre o racismo.
Então, tivemos o preto, o tal preto (devo usar maiúscula?), o grande preto - ele era grande, frisa o autor. O preto que, eu diria, inadvertidamente Nelson Rodrigues chamou de Ismael – e eu chamarei de preto 1. Pois este preto 1 DE Nelson Rodrigues odeia ser preto. Odeia e pronto. E preto. E ponto. Nasceu assim o desgraçado, trazendo o mal da cor, na cor. Brancos não têm nada a ver com isso, tá vendo? Eles mesmos se discriminam e não gostam de si... 
Além de o tornar médico, o complexo e a inteligência do grande preto 1, só o ajudaram a cegar um jovem branco, que o tinha como irmão, uma adolescente branca, que o tinha como pai(!), violentar uma branca virgem (até no nome) e a ver como grande culpada pela sua pele escura a própria mãe e seu ventre preto corrompido pela existência. Não sei por que Nelson Rodrigues e SEU preto não culparam logo Deus,  em última instância o responsável por toda concepção. Ah, imagino: Deus é branco...

E anjo negro não existe.

Lande Onawale  - 02/06/2014

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