O BRANCO ANJO NEGRO
para a atriz Vera Lopes
Um texto dispensável, o
Anjo Negro DE Nelson Rodrigues, no contexto das celebrações dos 10 anos da CAN –
Compahia Teatral Abdias do Nascimento - e 100 anos de Abdias do Nascimento, através do imperdível e impecável Abriu de Leituras. Um texto onde, supostamente,
o autor denuncia o racismo, mas ele próprio vê e trata personagens negros como
apenas uma cor: pretos (e pretas). Não somos homens ou mulheres, mas o preto 1,
o preto 2, a preta 3... como também nos trata outros monstros (lato...não,
não deixa pra lá) da literatura brasileira - Fernando Sabino, Jorge
Amado, Herbert Sales, Rubens Fonseca e por aí vai. A preta fez isso, aí veio a
mulher, e fez aquilo. Não a branca, ou o branco veio, mas a Mulher, ou o Homem.
Não sois homens, pretos é que sois.
Nelson Rodrigues... o
anjo pornográfico... alcunha criada por ele mesmo, reunindo uma segunda ‘justa
oposição’ entre substantivo e adjetivo... como é caprichosa a intelectualidade
branca nacional.
O Núcleo Afrobrasileiro de Teatro de Alagoinhas, nosso NATA, foi lá e
fez (bem) o que pôde em termos de movimentação, adaptação, luz, figurino, mas o
texto em boa parte é um samba de branco (e de um nota só) – e a diretora
Fernanda Júlia nos confessou a todos que esbarrou nas limitações da visão de um branco
sobre nós, e sobre o racismo.
Então, tivemos o
preto, o tal preto (devo usar maiúscula?), o grande preto - ele era grande, frisa o autor. O preto que, eu diria,
inadvertidamente Nelson Rodrigues chamou de Ismael – e eu chamarei de preto 1.
Pois este preto 1 DE Nelson Rodrigues odeia ser preto. Odeia e pronto. E preto.
E ponto. Nasceu assim o desgraçado, trazendo o mal da cor, na cor. Brancos não
têm nada a ver com isso, tá vendo? Eles mesmos se discriminam e não gostam de si...
Além de o
tornar médico, o complexo e a inteligência do grande preto 1, só o ajudaram a cegar um jovem branco, que o tinha como irmão, uma adolescente branca, que o tinha como pai(!), violentar uma branca virgem (até no nome) e a ver como grande culpada pela sua
pele escura a própria mãe e seu ventre preto corrompido pela existência. Não
sei por que Nelson Rodrigues e SEU preto não culparam logo Deus, em
última instância o responsável por toda concepção. Ah, imagino: Deus é branco...
E anjo negro não existe.
Lande Onawale - 02/06/2014
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