"A caixa do lápis de cor brincando nas mãos de Deus. De repente, pinta gente de tudo que é cor de pele. Tão lindos e diferentes, que mesmo que Deus se mele, é divertido brincar."
(Fonte: http://www.portalaponte.com/)
PEGADAS RACISTAS NA TERRA PRETA, FÉRTIL E BELA
Embora ache que todos os assuntos, a
depender do modo, podem ser tratados com crianças, eu vez ou outra perco esta
certeza. Foi o caso, com o curta-metragem LÁPIS DE COR, de Larissa Fulana de Tal
Santos (movimento Tela Preta).
Quando vi as imagens, pensei que só
poderia colaborar ofertando a criança que trago em mim... Mas (mais) uma
criança tão machucada já não cabia. Era preciso o acolhimento adulto.
Retomei a convicção de que se você é
uma flor em um campo onde andam paquidermes de todos os tamanhos, não há como
ser somente bela e perfumada quando algo desperta uma lembrança esmagada,
quando a simples visão ou o som de grandes pisadas evocam a violência da
existência. Alguma coisa há que tremer dentro de si. Como milhões de crianças
não-brancas no Brasil e no mundo, assim são as crianças do Lápis. Quando esquecem
que são negras, são negras, lindas e alegres, quando lembram que são negras,
esquecem que são lindas, e lembram que são tristes - e, obviamente, soam confusas.
No documentário, é certo, falta-nos os paquidermes. Só vemos as suas pegadas. Profundas.
O filme também me dizia que a jovem
diretora, para além de questões de orçamento e condições de filmagem, devia ter
vivido o impulso e o drama entre mostrar corações sangrando, ou estancá-los
enquanto as tomadas eram feitas... Ela me pareceu ter optado pela primeira (e
tão difícil) opção, apostando, talvez, que a visão daqueles corações – mesmo
sangrando, e mesmo infantis – ainda tivesse algum poder de fazê-los gritar dentro
de quem os veriam... Larissa quis transformar música, luz, cores, e enquadramentos em
braços, olhares, cafunés, afagos e magia. Coube-nos, à equipe, segui-la. Penso que só uma mulher tomaria
essa contradição e risco nas mãos; ou melhor, no colo.
Depois de amanhã vocês me dizem se estou certo...
(Lande Onawale)