terça-feira, 19 de novembro de 2013

                                   
A CONSELHEIRA DA CIDADE

Valdina Oliveira Pinto nasceu em 15 de outubro de 1943 no bairro do Engenho Velho da Federação, na cidade de Salvador, Bahia. Sempre morou neste bairro que é, ainda hoje, um local onde a maioria da população é negra, e onde a presença de comunidades de terreiro de Candomblé é marcante.

Desde a juventude, Valdina Pinto esteve envolvida com ações sociais na sua comunidade, acompanhando seu pai, Paulo de Oliveira Pinto – Mestre Paulo – ou sua mãe, Eneclides de Oliveira Pinto, mais conhecida como D. Neca, que foi líder comunitária e primeira referência política da filha.

Da adolescência à fase adulta, junto com a sua família, com a Associação de Moradores e com a Igreja Católica do Bairro, Valdina Pinto desenvolve diversas atividades assistenciais à população, logo se concentrando na alfabetização de adultos como principal área de trabalho. Quando vem a se formar pelo antigo Instituto Educacional Isaías Alves (IEIA), atual ICEIA, em 1962, já era uma educadora atuante e conhecida na própria comunidade. Ensinou na sede da Associação de Moradores, ensinou em barracão de terreiro de candomblé, ensinou em escolas, e até na própria casa. Por seu trabalho educacional na comunidade, é convidada pelo Corpo da Paz para lecionar Português nas Ilhas Virgens a um grupo de estrangeiros que viria ao Brasil. É como professora do ensino fundamental do município de Salvador que Valdina Oliveira Pinto se aposenta no final da década de 80, mas a sina de ser quem dá a lição continuará lhe acompanhando.

No início da década de setenta, Valdina abandona o catolicismo, e em 1975, é iniciada na religião do Candomblé. No Terreiro Tanuri Junsara, liderado pela Sra. Elizabeth Santos da Hora, ela é confirmada para o cargo de Makota – assessora da Nengwa Nkisi (Mãe-de-Santo). Com a iniciação, recebe seu nome de origem africana, tornando-se a Makota ZIMEWANGA.
A iniciação numa religião de matriz africana impõe a Valdina Pinto uma re-visão da sua história e da cultura na qual havia sido criada. Todo um conjunto de práticas cotidianas vivenciadas por ela desde a infância no gueto negro do Engenho Velho da Federação passa a adquirir novos significados, importância e sentidos a partir das lições aprendidas no terreiro de candomblé.

Entre 1977 e 1978, Valdina Pinto integra a primeira turma do Curso de Iniciação à Língua Kikongo, ministrado pelo congolês Nlaando Lando Ntotila no Centro de Estudos Afro-Oriental (CEAO), marcando uma nova etapa no aprofundamento dos seus estudos sobre as culturas de origem bantu no Brasil – sobretudo nos aspectos religiosos. A valorização das especificidades da nação de candomblé angola, congo-angola, de matriz linguística bantu, tem sido uma das marcas da trajetória de Valdina Pinto que, por isso, passa a ser conhecida como Makota Valdina.

Outro pensamento da Makota Valdina é de que a comunidade de terreiro não deve fechar-se em si mesma, buscando, ao contrário, relacionar-se com os organismos políticos e sociais externos que sejam necessários à manutenção e consolidação das tradições vivenciadas no terreiro. Vale ressaltar que, ainda em tempos de ditadura política no Brasil, a Makota Valdina tornou-se a primeira mulher a presidir a Associação de Moradores do seu Bairro, enfrentando preconceitos políticos e de gênero, em decorrência suas inclinações oposicionistas e ao fato mesmo de estar numa função até então ocupada por homens.

Estas compreensões - que estão na base da sua formação – levaram-na a compor a diretoria da Federação Baiana de Culto Afro Brasileiro (FEBACAB), atual FENACAB. Nesse período, seu respeito e preocupação com as tradições do Candomblé, independente da nação, tornaram-na mais conhecida e considerada junto aos praticantes do candomblé. Esta estima, sem dúvida, veio a ser um dos esteios para sua escolha como presidente do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra (CDCN). Antes mesmo de terminar sua gestão, filia-se às lutas em defesa do Parque São Bartolomeu, um antigo santuário natural do povo-de-santo de Salvador. O Parque, uma extensa reserva urbana da Mata Atlântica, definhava ante a depredação por parte das pessoas e o silêncio dos poderes públicos. Com outras educadoras, a Makota Valdina desenvolve programas de educação ambiental, destacando a perspectiva religiosa acerca da natureza – “A natureza é a essência do candomblé”, defendia. Desta luta surgiu o Centro de Educação Ambiental São Bartolomeu (CEASB), onde foi educadora e hoje é conselheira. Um outro trabalho importante no qual esteve à frente foi a catalogação e plantio de ervas medicinais em áreas do entorno do Parque São Bartolomeu, no subúrbio de Salvador. Não por acaso, dentro do ciclo de palestras sobre auto-cura ministradas pelo congolês Dr. Fu-Kiau, evento organizado pela Sra. Valdina Pinto, a visita ao parque foi um dos pontos altos.
Copiando-a, podemos dizer que “o candomblé é a essência da Makota Valdina”. Fincada nestas tradições religiosas, ela tornou-se um instrumento de expressão da sabedoria popular baiana, brasileira, de base africana. Como é próprio de uma visão de mundo dessa origem, os conhecimentos e habilidades da Makota Valdina - o seu savoir-faire - se articulam e interagem constantemente, e não se estancam, ou se resumem a uma determinada dimensão do saber. Nela, reflexões filosóficas acerca da cosmogonia do Candomblé, mais especificamente os de origem bantu, coabitam com um apurado senso estético na execução de danças, ou confecção de artesanatos rituais; ao domínio da culinária, ou do uso de ervas, une-se um repertório de cantigas sagradas de rara extensão.

Em Fevereiro 2003, a Makota Valdina foi a porta-voz das religiões de matriz africana de Salvador num encontro com o então recém empossado Ministro da Cultura, Gilberto Passos Gil Moreira, como também foi uma das representantes do Movimento Contra a Intolerância Religiosa em Brasília, em março do mesmo ano, sentando-se à mesa da Câmara dos Deputados, na histórica sessão presidida pelo Deputado Federal Luiz Alberto.
Com a sua palavra calma e firme, que ilumina, com a sua indignação veemente que entusiasma, a Makota Valdina tem impressionado inúmeras platéias nas conferências e palestras que realiza no Brasil ou no exterior. Mas, como às vezes frisa, no cotidiano das suas relações num terreiro de candomblé, está o seu local predileto de ensino e aprendizagem.

Diversas são as instituições que a tem como conselheira, ou ‘madrinha’, como é o caso da Associação de Preservação e Defesa do Patrimônio Bantu (ACBANTU). Noutros casos, é o seu próprio nome que ela empresta à causa da luta contra o racismo, como ao Grupo de Estudantes Universitários Makota Valdina.

Valdina Pinto já recebeu diversas condecorações por seu papel na preservação do patrimônio cultural afro-brasileiro, como o Troféu Ujaama, do Grupo Cultural Olodum,  o Troféu Clementina de Jesus, da União de Negros Pela Igualdade (UNEGRO), a Medalha Maria Quitéria,  honraria da Câmara Municipal de Salvador.

Valdina Oliveira Pinto, a Makota Zimewaanga, a Makota Valdina é, atualmente, a conselheira ‘mor’ da Cidade de Salvador, convidada a avaliar e avalizar plataformas de governo, campanhas eleitorais e mandatos parlamentares, ou ONG’s e eventos em defesa das tradições de origem africana e do Meio Ambiente. É também chamada a orientar grupos do Movimento Negro e a sistematizar propostas educacionais que dêem conta da diversidade cultural da cidade. Enfim, tornou-se presença obrigatória nos principais debates sobre os rumos da sociedade e, sobretudo, nos espaços reservados do sagrado, onde só têm acesso livre aquelas que se tornaram uma mais velha e trazem no corpo, no conhecimento e nos próprios sentimentos marcas ancestrais.





Lande M. Onawale – poeta escritor e Tata Xicarangoma do Terreiro Tanuri Junsara

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Sugestão de Leitura pelo Programa Espelho

Esta última semana o Programa Espelho sob a apresentação do diretor e ator Lázaro Ramos disponibilizou enquanto leitura recomendada o livro Sete: diásporas íntimas.

Para mais informações, visite o Blog do Programa Espelho
http://programaespelho.blogspot.com.br/2013/04/livro-da-semana-sete-diasporas-intimas.html


Sete: Diásporas íntimas
Autor: Lande Onawale
Editora Mazza
Local de venda: Loja Katuka, Salvador-Bahia.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

LEITURAS PÚBLICAS



O Leituras Públicas será um encontro do público com os escritores Lande Onawale, Lívia Natália e Martha Galrão sob a mediação de Goulart Gomes. Propõe-se a ser um momento de conversa desses autores com seus leituras descrevendo suas críticas e prazeres na produção literária.

Dia: QUINTA-FEIRA, 21 DE FEVEREIRO
Horário: 17h
Local: QUADRILÁTERO DA BIBLIOTECA PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA

Maiores informações:
Fundação Pedro Calmon - http://www.fpc.ba.gov.br/node/2437

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Deisy

...para duas gerações... e para Daise.
(Lande Onawale)

eu vi, Rainha eterna
negro Egito redivivo
muda escola
balé
jinga braços e pernas
nossos corpos censurados
pela história

Deisy, soberana do tema
todos nós, qual Faraós perante Deus
ao lembrar, meu coração hiberna
mas não crê
que todo sonho se rendeu

por fim
nem Diop, nem Fela...
quais serão os elos
que me prendem a ti ?
a luz da sua dança tão bela
ou os mistérios que me levam
além de mim?


Salvador, 9/02/2013, Carnaval

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Zózimo Bulbul


Por Deley de Acari

Bulbul mereceu um obtuário de meia pagina no O Globo. O obtuário destaca sua carreira inicial de manequim e a carreira cinematografica televisa e como ator. Obviamente o obtuário omitiu sua participação em filmes politicos como "parceiros de aventura" e "a hora e a vez de augusto madraga". Nem revelaria também que Bulbul foi um dos principais divulgadores e "multiplicadores" do socialismo africano" no Brasil. Quando voltou do exilio, na frança e 1977 trouxe na bagagem textos dos Panteras Negras, Frantz Fanon, Julius Nierere, Aimê Cesaire. EM 1978 realizou no MAM um grande festival de arte negra que abriu caminho para artistas negros revolucionários. foi no stand de literaraura, neste festival que a poesia e literatura negras e artistas plásticos negros tiveram suas primeiras oportunidades.

Zózimo Bulbul e eu eramos os "coordenadores" da Ala de Passistas "Alam'bique" do GRANES QUILOMBO. Ala onde desfilava poetas e artistas negros.

No desfile de em que o QUILOMBO teve como tema "90 DE ABOLIÇÃO" nossa ala desfilou como"comissão de frente" "eramos" ex-escravos "negros fujões" com correntes arrebentadas no pulso. uma das coreografias da ala era o punho esquerdo fechado e levantado em homenagem aos panteras negras.

Candeia já havia falecido e a direção da escola, o concelho deliberativo e a direção de harmonia esta "entregue" a negros globais, moderados e troktistas que tentaram por varias vezes durante o desfile na rio branco impedir nossa coreografia pantera/maoistas.

Com outro dos nossos grandes mestres, Ari Araujo, Zózimo organizou na Universidade Candido Mendes o Evento "SAMBA E LINGUAGEM POÉTICA  fundamental para a integração "samba&academia& linguagem poética negra".

Para além do que o obituário do O Globo "revela" Zózimo Bulbul, embora um ator de enorme talento, por sua assumida ação negra comunista revolucionaria quase sempre era boicotado dentro da própria globo, algumas vezes mesmo, por atores negros de "certo" poder dentro do "núcleo de teledramaturgia" global. Alguns desses aparecem nos telejornais globais dando entrevista e chorando "lagrimas de crocodilo".

Talvez tenha falado muito mas bem de Zózimo Bulbul aqui nesta mensagem. Mas tenho certeza que não consegui nem um pingo de í diante de tudo que falta e é preciso dizer de Bulbul.

Aché, Amor Livre e Luta!



quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Entrevista à Revista Cinzas no Café


Por Davi Nunes

Por e-mail deu-se a entrevista permeada de um lirismo, de uma eu enunciador que se quer e se manifesta negro, da Cinzas no Café com o bancário, graduado em história, poeta, contista, compositor e educador baiano, Lande Onawale. Lande teve seus primeiros poemas publicados no início da década de 90, no Jornal Nacional do Movimento Negro Unificado (MNU). Notabilizou-se pelos brilhantes poemas e contos publicados em diversas antologias: Quilombos de Palavras (BA), Terras de Palavras(RJ) Black Notebooks (EUA), Cadernos Negros (SP) entre outras. As suas publicações individuais são os livros: O Vento (poemas), Kalunga – poemas de um mar sem fim/poems of an infinite sea e Sete: diásporas íntimas (contos).

Davi Nunes(DN) - Lande, a infância, para grande parte dos escritores, é um berço de inspiração. Na sua infância em Salvador se encontra os elementos que o construíram como escritor?

Lande Onawale(LO) - Penso que sim, mas como algo inevitável, uma inspiração não exatamente consciente. Já se disse que a pessoa é, aos 80 anos, o que já era aos 8... Sendo uma fase onde se consolidam aspectos fundamentais da nossa afetividade e cognição, fatalmente é um minadouro de emoções pra toda vida. Por outro lado, há também uma atitude, essa, sim, consciente de resgatar situações que uma dose de poesia que eu julgue capaz de tocar, instigar, estimular o leitor presente.

DN - Sabemos que a branquitude, o embranquecimeto dificultam aos negros o empoderamento de uma identidade afro-brasileira, mas no caso da sua literatura... quando foi que surgiu, em seu texto, um eu enunciador que se quer negro ou ele sempre existiu?

LO - Num país racista como o Brasil, o desenvolvimento de uma Consciência Negra figura-se como um renascimento. Mal saído da adolescência, com 19, 20 anos a partir da minha aproximação do Movimento Negro, é que meu olhar sobre uma boa parte da existência humana começa a mudar – e a literatura, consequentemente, acompanha essa mudança.

DN - Como foi o processo de mudança do nome de origem colonialista para a apropriação identitária do nome africano, constituindo a família Onawale?

LO - Foi algo, digamos, natural pra mim, óbvio. Uma necessidade de ir mais fundo - além do pré-nome - no questionamento de uma herança mais que colonialista, escravocrata.

DN - Quantas áfricas cabem em seu coração? A mítica, a moderna ou ela toda em sua grandiosidade cultural, linguística e continental?

LO - Repito o que já disse a socióloga Vilma Reis: queremos todas as Áfricas, inclusive a mítica!

DN - A elite brasileira é tão racista e atrasada quanto um republicano americano de cem anos; sua obra literária, além de ser uma expressão estética, surge para a superação desse racismo?

LO - A minha necessidade de expressão literária surge com objetivos menos pretensiosos... Em algum momento – e sabe-se lá por que – veio essa vontade de escrever sobre meus próprios sentimentos, sobre as idiossincrasias do mundo e do ser humano. Depois, quando ‘renasço’, é que passo a achar que a literatura que faço pode ajudar no combate ao racismo e ao preconceito racial.

DN - Como se dá a relação de sobrevivência e criação literária do escritor negro? A busca do ganha-pão imponderável dificulta o aprofundamento em gêneros mais extensos como o romance, que exige maior tempo disponível à escrita?

LO - Sem dúvida, a labuta diária é um dificultador ao processo criativo de algo mais complexo, como um romance, mas eu acredito muito na disciplina, como meio de solucionar ou amenizar o drama dessa equação – embora eu seja um indisciplinado... Outro dia, inclusive, ouvi Cuti dizendo que, ao menos em respeito à vida conturbada de Lima Barreto, devíamos nos constranger ao ficar reclamando de certas condições inadequadas para a criação.

DN - Sete: diásporas íntimas seu livro de contos, que desponta poderosos personagens e signos afro-brasileiros, através de uma escrita enxuta e madura, foi inspirado na divindade afro-brasileira Esù, como foi o processo de escrita e de reverência ao orixá?

LO - Em verdade, ainda não fiz um livro conceitual, digo, criado a partir de um conceito. ‘O Vento’, “Kalunga...’, ‘Sete...” todos foram ‘montados’ e, talvez, haja algum mérito na edição, pois busquei uma coesão entre forma e conteúdo. Assim, não houve uma inspiração ‘direta’ em iNzila/Exú, mas privilegiei textos onde estivessem presentes aspectos essenciais desse iNkisi, dessa energia. Sete (ou Se7e rsrs), aqui, não é um numeral, mas um conceito – talvez até um substantivo...próprio.

DN - A torre de marfim dos clássicos já lhe seduziu, ou os tambores poéticos dos quilombos foram sempre os instrumentos da sua inspiração?

LO - Já, sim. Por sedução, ou por imposição. Somos quase todos um tanto corrompidos pelo racismo, pelo eurocentrismo, né? A pesquisa da Profª Drª Dalcastagné, constata que quase 100% dos autores e personagens da literatura brasileira contemporânea são brancos! Se pensarmos que essa realidade é reproduzida pelos meios de manutenção da cultura e da educação – escola, universidade, teatro, ciname, televisão...pô, quase que não há como escapar... mas há o tambor, né? “Tem um tambor, tem um tambor, tem um tambor... tem um tambor, dentro do peito tem um tambor” grita Carlos Assumpção. Aí você entende quando falo em renascimento. Fui aprender já grande a usar a caneta como ‘agdavi’...

DN - Qual a importância dos cadernos negros para a literatura brasileira e para você já que tem trabalhos publicados neles?

LO - O Cadernos é uma das antologias regulares mais longevas das Américas – senão a mais. Só por isso, já é revestida de enorme significado para a literatura brasileira. Contudo, o Quilombhoje com o Cadernos Negros e outras iniciativas trazem para a cena literária nacional, essa voz negra silenciada, de que nos fala Dalcastagné. De algum modo, penso que nosso texto vem (inter)ferindo a ideia hegemônica (e eurocêntrica) do que se concebe secularmente como literatura, como ‘boa’ literatura. Para mim, a publicação foi crucial por, pelo menos, duas razões: onde primeiro publiquei, em livro, e onde começo a lidar pra valer com a crítica – o processo de seleção dos textos previa que autores, teóricos e leitores, pseudoidetificados, avaliariam todos os textos.

DN - O mercado editorial para os escritores negros e temas afro-brasileiros ainda é muito fechado?

LO - O mercado editorial para autores e temas proscritos é muito fechado, e nós, negros, bem como nossa vida fazemos parte da “lista branca”, dos assuntos tabus – sobretudo quando enunciados por nós mesmos. Evidentemente, a sociedade se transforma, a luta pelo reconhecimento da nossa humanidade avança e, fatalmente, vemos luzes no que se pensava ser o fim do túnel. Eu tenho, ainda, uma confiança muito grande no poder da literatura de tocar as pessoas, de seduzí-las, encantá-las, cativa-las dentro de um desejo de liberdade de imaginação e expressão.

DN - Por fim, que lição você deixa para os escritores que se iniciam na escrita de uma literatura mais ensolarada, buscando expressar os sentimentos azeviches presos na alma?

LO - Não chamaria de lição, mas de confissão: descobri que o grande sol vai dentro de cada um de nós. Não devemos temê-lo, porque o medo é, como sabemos, o avesso da realização. O racismo nos interdita a nós mesmos e, como consequência, ficamos proibidos, desautorizados a emitir uma voz que soe autônoma, a proferir nossas verdades sobre o que quer que seja. Nesse sentido, ser um escritor ou escritora é o que a sociedade racista menos espera de um(a) negro(a), escrever seria quase nosso avesso, pois o que mais fazemos nós ficcionistas senão inventar mundos e verdades? Agora imagine se dissermos que o mundo é negro, então...Ah, não! Essa não! Assim já é demais! Rsrs Eu não temo escrever sobre mim/nós, sobre “feridas que ainda estão abertas e sendo mexidas”, como já disse a escritora Toni Morrison... Ao contrário do que dizem alguns autores e críticos (negros, inclusive), a minha luta não me limita (nem a minha literatura), a minha luta me liberta! Dentro de cada peito negro está toda a humanidade, dentro de cada suspiro, cada riso, cada grito.

Revista Artístico-acadêmica Cinzas no Café. Edição 3, novembro/2012, p.11-13.
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sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

CARAPINHA. MUITO CARA...

para Lumusi Munzanzu (Lucimara da Cruz) e Cláudia A. Santos, meninas do Curuzu.

Cadiveu. Ou cadáveu, como diria o Adún.  Sem dúvida, é uma das coisas que mais irritam os brancos em geral, e os racistas – brancos ou não – em particular: nosso cabelo. Também pudera. Como a pele da maioria de nós, nosso cabelo quer existir no exato sentido contrário do deles. Para cima! E o mais absurdo, contudo: gostamos. Abusamos. Às vezes, até reinventamos novos modos de estar bonitos através deles, os cabelos. Só pra chatear? Talvez... A cada vez (com ou sem trocadilho) que a indústria cosmeticida bombardeia a mídia, intoxicando tantos de nós, outros tantos exalam o orgulho de ser como somos. A consciência avança. O sentimento permanece. Imagino os brancos da publicidade, em noites insones, ou entorno de chops alegres, buscando uma nova ideia que nos convença, a nós pretos, de uma vez por todas: É ruim! E não é cabelo. É ‘algo’. Há décadas, gerações de marqueteiros tentam cortar o meu pela raiz. O nosso. São bons brasileiros, os publicitários... Não desistem nunca. E nós? Também não.
Fomos mais do que testados no Século XX. E por diversas vezes quando a opressão racista quis tocar com sua mão assassina o âmago da nossa existência (o nosso amor próprio), nossos cabelos gritaram. Se puseram de prontidão. Marchando eretos pelo Harlem, balançando proféticos pelas ruas de Kingston, ou multiplicando no Carnaval de Salvador as tranças de uma geometria ancestral. De todos os modos, eram gritos. E ainda hoje os ecos daqueles gritos nos ajudam a ficar de pé. No round. Temos ido às cordas, é verdade... mas a lona está muito, muito mais distante.
Há muitos tesouros guardados em nosso cabelo. E não dentro dele, é bom que se diga, já que a publicidade no Brasil já o quis até como “porta-treco”. O tesouro no nosso cabelo é ele mesmo, em si, as formas que assume, o zelo com que o tratamos. A riqueza é aquele delicado e último tapa no Black, é o desenho Adinkra resgatado no sonho de uma trançadeira em algum ponto da Diáspora, é a magia de cortar o tempo e o ar com as mais belas e encantadoras tranças horrendas... Nosso cabelo ainda guarda - fora de si! – sua maior preciosidade: pares de mãos profundamente sensíveis, devotas da beleza, e que se sucedem há gerações. Outras gerações.
Talvez pese 'espiritualizar' a discussão, mas gosto de pensar que somos criaturas divinas. Então, podendo ver no próprio corpo a imagem e semelhança do belo. Pelo cabelo. Uma beleza natural... (Êpa! Beleza natural...assim... natural, entende? Tipo natural, natural... sem enrolation). Temos, sim, que ouriçar nossas vozes! Afinal, não tem sido nada livre o arbítrio do alisante...  Os racistas nos querem contra Deus. Azar o deles. Não seremos. 

Touche pas! A minha carapinha é livre! E cara. Muito cara...

                                                                                                      Lande Onawale