terça-feira, 3 de abril de 2012

463 anos...

Bom, acabou que eu não disse uma palavra pela passagem do aniversário de Salvador. Quer dizer, pus um poema no blog... mas poema não é palavra...
463 anos...Tiro a primeira dezena para ser a minha idade. 463 anos do começo de uma dominação branca efetiva no território indígena...Como ainda se pode condenar tanto a invasão de terras e prédios nesses país? Invasão, não! Ocupação!
,,,e nós, em Salvador, vamos seguindo  suspensos entre seus encantos e mazelas. Ou melhor, oscilamos emoções, como na letra de uma canção que fiz na adolescência e que vai abaixo deste texto. E como disse Gilberto Gil, Bahia, “...primeira missa, primeiro índio abatido também...primeiro carnaval, primeiro pelourinho também...”
Também abaixo, o poema Coração Suburbano, falando (talvez) da própria cidade, imaginando que certos modos metropolitanos pudessem tardar a chegar por aqui...

Salvador, Salvador
Residência do amor
Terra do meu senhor do Bonfim
Quando será o fim de tão pobres favelas?
Quando tuas calçadas deixaram de ser
Um tapete morto-vivo...?
São crainças e mães, todos eles mendigos
À espera de pães...de quem?

Salvador, Salvador
Quantas praias tão lindas, de belezas não findas
Como a dor das feridas expostas
Que ornamentam suas ruas
Passam pessoas cruas
Ficam pessoas, postas
A minguar por comida
A migrar de susas vidas
A migalhas caídas é que se mantém...

Foto: sem referência

quarta-feira, 28 de março de 2012

Coração Suburbano

Para Roberto Imolê

o meu coração não quer
ser completamente urbano
não
pulsa pop, pós-moderno
baile funk de salão
mas se larga à beira-mar
lacrimando uma canção de amor
mariscando sensações
ruminando o tempo
(todo tempo interior
que eu me possa permitir)

batendo no peito do povo de keto
meu coração brilha
para o mundo ver
e volta sempre à mesma trilha
lenta
                          de trem no trilho
volta sempre pra você

meu coração de subúrbio
quer o plus metropolitano
sem os adereços violentos
que lhe tirem o ar provinciano
sem aquelas coisas mais (demais)
que lhe turvem o céu
ou em que possa sucumbir

meu coração suburbano
gosta das luzes da cidade
da distância         da cidade
dessa possibilidade...

Poema do livro O vento, 2003, pg.19.

terça-feira, 13 de março de 2012

Queridas(os) Leitoras(es)

Agradeço muito a vossa presença no lançamento. A festa não teria o brilho sem vocês. Aliás, não teria brilho. Marcamos mais um ponto pra Literatura Negro-brasileira. Espero que os tais contos possam devolver um pouco da inspiração, força e coragem que pretendi tirar de vidas como as tuas. Fomos tão mexidos nesses séculos, não? E ainda somos...
Bem, o outono se avizinha...
Boa Leitura.

Lande M. Muzanzu Onawale

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Lançamento - Sete: diásporas íntimas


(Clique na foto para ampliá-la)

Informações:
Camila Moraes (CEAFRO) - (71) 3283-5510
Lande Onawale - landeonawale@yahoo.com.br

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A bailarina

Para  Fernanda Felisberto

         Não via a hora da estréia do comercial. Seria no horário nobre, e o bairro inteiro, aliás, a cidade inteira se tornaria um buchicho só no dia seguinte. À tarde, fora buscar o cachê da sua participação e, junto com as outras dançarinas, assistiu ao filme já editado. Faltava apenas a inserção da logomarca do produto. As evoluções por demais ensaiadas no estúdio e na escola de balé que frequentavam ficaram perfeitas. Os passos finais, em slow motion, culminavam com o salto de todas em direção à câmara. uma das colegas, a de perfil mais próprio, mais nórdico, mostra, na palma da mão, o copinho do iogurte anunciado - o produto disputando a tela com os sorrisos sadios das moças por breve 5 segundos de imagem congelada.
         Às 19 horas, a janela da sala - e o próprio cômodo - estava apinhada de gente. Quem possuía TV em casa ouviu as reclamações de quem não possuía o aparelho: todos consideravam mais emocionante assistir ao comercial na casa da artista.
         Plim Plim. Os moleque largavam as bolas de gude na réstia de barro onde brincavam e se enfiaram por entre as pernas dos adultos. A irmã da bailarina, na varanda, interrompeu o beijo e adentrou a sala arrastando o namorado pela mão. Os comerciais que se sucediam, mesmo os mais tolos, nunca tiveram uma plateia tão atenta e silenciosa.
         Começou. As moças dançavam como as cabeças dos expectadores. "Cadê ela?!" "Ali ó. Aquela de roupa azul." "Mas são várias! Bem que a TV poderia ser maior, né?", observou um vizinho. "No final fico mais visível", disse a dançarina aflita. "Psssiu!", repreendeu a mãe.
         Para todos os 30 segundos foram eternos. Quando o balé iniciou os movimentos finais, a bailarina inclinou-se instintivamente para a TV. na tela, ao canto superior direito, uma tarja branca com o nome do produto apareceu e foi escorregando em diagonal. Foi entrando... entrando... e parou, escondendo ao fundo seu rosto negro tão bonito.

Conto presente no livro "Terra de Palavras", organizado por Fernanda Felisberto.
Terra de Palavras: contos. Rio de Janeiro: editora Pallas; Afirma. 2004, pg. 35-36.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Quase Carnaval

Lhe procurei porque quis:

fui aos lugares improváveis
e horários inconvenientes
- não via nada, nem ninguém

revisitei amores...
comprei flores que murcharam...
[...]

a cidade da Bahia
tornou-se imensa de repente:
subi tantas ladeiras sem chegar até
você!
(vaguei por quantas ruas sem lhe encontrar?)
entrei nos bares comuns
e atrás dos baticuns
- graças a deus -
eu me perdi


Trecho retirado da obra O vento, 2003, pg. 36.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

KWE ZULU

quando fecho os meso
uma escuridão me ilumina
e vem do congo, moxicongo
a força que me anima
é por dentro o barravento das palavras
indaka que não se cala
ingoma soando em mim
...vem no vento, sibilando, cada sílaba...
eu, poeta, uma espécie de vodunsi
(olhos de Zambi)
boca de tudo
nada vejo
calo e me curvo de surran pra inspiração
rogo a espada dos verbos
o alá das metáforas
um mariwô pros meus versos
ouço...ouço o ilá no ouvido do mundo
ouço o fundo do fundo de mim...

a poesia, então, se eleva feito inkisi
vindo de caçadas ou maiangas
o poema se abre como um barracão de memórias
resta o chão
e eu

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

OLIVEIRA DOS PALMARES

                                                            A Oliveira Silveira (in memorian)

 plantou um chão
para dançarmos livres
regou de versos nossos sonhos
com seu ingoma inaudível
incansável
fez um país inteiro cantar


Poeta gaucho, falecido em 2009, um dos criadores do 20 de Novembro como data comemorativa da Consciência Negra.